
Em 2005, realizei uma pesquisa com 386 gestores do sudeste e verifiquei que a maioria absoluta deles se percebe como racional, isto é, pouco emocional, no seu cotidiano. Por outro lado, uma pesquisa recente de Motta e Caldas, realizada com 2500 dirigentes e gerentes de 520 empresas de grande e médio porte do sudeste e sul do Brasil, mostrou que o estilo brasileiro de liderar é o paternalismo. Ainda neste estudo, os principais traços da administração brasileira, apontados por estes gestores, foram: 88% concentração de poder, 77% paternalismo; 76% dependência, 71% lealdade às pessoas; 69% impunidade, 67% postura de espectador, etc. Os resultados destas pesquisas me intrigaram.
Segundo o dicionário Aurélio: paternal é próprio de pai. O paternalismo ocorre quando uma pessoa se responsabiliza por outro adulto, colocando limites à autonomia individual daquele. Geralmente, o objetivo explícito é ajudá-lo. A intenção é louvável, resta analisar se esta ajuda é a mais adequada.
A nossa sociedade cultua, desde cedo, a realização e a felicidade através do prêmio sem esforço. É grande a audiência de programas que premiam pessoas que se percebem menos favorecidas na sociedade. Ganhar na loteria é o grande sonho de muitas pessoas. Por outro lado, o trabalho é ensinado, em muitos lares, como um sacrifício ou a única saída digna para quem não teve sorte na vida, de nascer num lar rico ou de se casar com um milionário. Num dia destes, eu organizava uma palestra com a profissional de uma grande empresa e ela me contou que, nas palestras anteriores, por melhor que fosse o tema, a audiência só era expressiva quando havia sorteios ao final. Isto me fez refletir.
As empresas paternalistas complementam esta visão cultural e se tornam protetoras dos seus empregados, atuando com excesso de complacência com os seus erros, dando benefícios não por merecimento e dando-lhes afeto e, em troca, cobram lealdade à instituição e aos seus dirigentes. Isto se encaixa no que Maria Tereza Fleury denomina mito da grande família, que revela as duas faces presentes nas relações de trabalho: a visível, de solidariedade, cooperação e a face oculta, da dominação e submissão. Isto confirma a outra versão do Aurélio, de que o paternalismo é a tendência a dissimular o excesso de autoridade sob a forma de proteção.
Por outro lado, por que os empregados se conformam com isto? Porque os mantém na zona de conforto, dá menos trabalho… É gostoso ser criança! Mas, há outros motivos. Sérgio Buarque de Holanda, contando sobre a origem da identidade brasileira, define o Homem Cordial como este ser que constrói suas relações sociais por meio dos motivos do coração, em detrimento dos da razão, ou seja, ele precisa “gostar” de alguém para se relacionar. Por isto, ele tem aversão às relações impessoais, movidas por interesses ou apenas ligadas a objetivos efêmeros, econômicos e políticos e requer relações duradouras, regidas pela fidelidade da palavra e pela segurança. O autor ilustra com a relação senhor-escravo, onde, em caso de desobediência, o negro não era castigado por atrapalhar o processo produtivo (o que caracterizaria um princípio mais ligado à racionalidade marcante de uma economia voltada para princípios de mercado e lucro) mas, por trair a confiança e o cuidado nele depositados pelo seu senhor.
O Paternalismo se configura, então, como uma relação emocional, autoritária, hipnótica, que subestima o outro e guarda uma armadilha, a de privar o empregado de parte da própria autonomia, estimulando-o a permanecer emocionalmente dependente ou infantil, e a se conformar com pouco reconhecimento e baixos salários; para que se dedique de forma desequilibrada, até desumana, em relação às outras áreas da vida, em nome da produtividade, e leva-o a se tornar institucionalizado, ou seja, muito inseguro e dependente da empresa. Por outro lado, ele se comporta como um filho mimado, que exige que a empresa cuide do seu futuro e reclama da empresa, até pelo que não fez por merecer. Nesta posição, ele não percebe necessidades de buscar melhorias e não assume a responsabilidade pela própria carreira. Como consultora e coach, tenho observado e analisado, pesarosa, estes relacionamentos, especialmente entre líderes e colaboradores e noto que, desta forma, desperdiça-se muito potencial humano, além de serem pouco eficazes.
Agindo assim, como teremos empresas vencedoras, competitivas e colaboradores adultos, fortes e protagonistas, que tomam decisões bem fundamentadas, cuidam da sua própria história profissional, têm prazer em se dedicar ao trabalho e que contribuem com o melhor de si, para buscar realizações genuínas para todos? Se for isto o que buscamos, precisamos repensar nossos modelos de relações e criar condições que permitam o verdadeiro amadurecimento de todos. E para isto, um pouco mais de racionalidade não faria nada mal…
Obs. Se você desejar copiar este artigo para posterior inclusão em qualquer mídia, pede-se que o mantenha na íntegra e adicione os créditos ao final, ou seja, Dra. Elizabeth Zamerul, médica psiquiatra (CRM-SP: 53.851), psicoterapeuta, especialista em Dependência Química e expert em Dependência Emocional.
Bibliografia:
- BELATTO. Luiz Fernando B. – Monografia: As duas faces da moeda: paternalismo, amor e ódio entre senhores e escravaos no Brasil colonial. São Paulo
- LEME FLEURY, MariaTereza – Cultura e Poder nas organizações – Ed. Atlas, 1996
- Apostila do Curso de Gestão Empresarial – FGV – 2005