
Vira e mexe, vivemos momentos de apreensão, perdas e luto. As histórias se repetem, com acidentes graves, alagamentos e desmoronamentos em todos os verões. Há poucos meses, um grave acidente na aviação; depois, no metrô… Nestas ocasiões, não falta quem questione a ausência de mecanismos preventivos: “Não foi feito um bom estudo do solo para se construir aquela estação do metrô? As reclamações dos vizinhos à construtora não foram ouvidas?” Estas perguntas serão respondidas, mas, para se evitar novas tragédias anunciadas, outras questões precisam ser levantadas porque impressiona o número de vezes em que obras são feitas, desfeitas e refeitas, o que gera um monstruoso desperdício de recursos, perdas materiais e de vidas.
Para explicar a falta de prevenção, uma primeira hipótese é a da crença distorcida de que acidentes acontecem por acaso. O Dr. Dario Birolini, meu ex-professor e titular de cirurgia do trauma da Faculdade de Medicina da USP defendeu, por anos, a idéia de que acidentes só acontecem por falta de cuidados e prevenção. Isto fica evidente na análise posterior a um sinistro, quando geralmente se conclui que há inúmeros agentes responsáveis, isto é, eles poderiam ter enxergado riscos e anomalias e atuado de modo diferente, o que levaria a outro resultado.
Um segundo fator relevante é a pouca atenção e tomada de decisões resolutivas aos primeiros sinais de perigo. Por trás disto há outra forte crença, de que problemas podem se resolver sozinhos ou com o tempo. Durante anos eu cliniquei como psiquiatra e a maioria dos pacientes procurava ajuda quando o quadro já estava grave; e vi muitos casamentos se desfazerem porque os envolvidos não cuidaram dos conflitos no início. Quando me procuravam, muitas vezes a relação já estava agonizando. Agora, como coach de executivos, vejo que a situação nas organizações é bem semelhante. Só mudam os atores e os cenários, mas a cultura geralmente é a mesma.
Um terceiro problema é a falta de capricho nas tarefas, ou seja, de colocar a alma, de dar atenção aos detalhes que podem alavancar os melhores efeitos. Apesar de tantas empresas serem certificadas com o selo da Qualidade Total, as que são julgadas como responsáveis por estes acidentes revelam incoerências graves neste sentido. O esmero inclui uma análise acurada e o pensamento sistêmico, isto é, o exame dos impactos que cada ação tem nas outras áreas do sistema em que está inserida e, além disto, nos prováveis efeitos futuros, no curto e longo prazo. Agindo com capricho, estas organizações investiriam mais energia, tempo e recursos mas obteriam resultados bem mais consistentes.
Uma quarta explicação para estes desastres é a falta de alguns valores universais na convivência entre pessoas. A começar da responsabilidade, como se nota nos locais onde ocorrem os alagamentos. A culpa é da quantidade imensa de chuva? Ou da impermeabilização do solo das cidades? Este discurso é comum. Nas rodovias que praticamente se desmancham na época das chuvas, ou que se esburacam facilmente, acidentando muitos, também se nota a negligência da época da construção, ou melhor, a ausência da ética e do respeito ao futuro usuário daquelas obras. Isto me faz lembrar do prédio que desabou no Rio de Janeiro em 1998, o Palace 2. Talvez esta notícia seja bem antiga, mas a ganância por trás deste caso continua em alta.
Não pretendo esgotar o tema, mas certamente falta-nos uma cultura realmente preventiva que, para existir, depende de se acreditar que podemos construir uma realidade bem mais agradável, dar mais atenção aos sinais, decidir por resolver problemas precocemente, caprichar nas tarefas, pensar de modo sistêmico e desenvolver valores que dêem importância à vida humana em geral, lembrando que o custo que se diminui num projeto mal feito pode se transformar em um prejuízo terrivelmente maior no futuro. E caso os acidentes ocorram, podemos atuar com garra para que a punição ocorra, pois ela é a maior mestra para desenvolver a responsabilidade naqueles que não compreendem bem as regras de convivência social. E, mais importante ainda, é desenvolvermos os aspectos mencionados acima em nós mesmos e em nossos filhos, porque nunca se sabe no amanhã, quem pode estar envolvido como responsável ou vítima num acidente grave.
Obs. Se você desejar copiar este artigo para posterior inclusão em qualquer mídia, pede-se que o mantenha na íntegra e adicione os créditos ao final, ou seja, Dra. Elizabeth Zamerul, médica psiquiatra (CRM-SP: 53.851), psicoterapeuta, especialista em Dependência Química e expert em Dependência Emocional.